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Se Mendigos Fossem Espelhos

  • Foto do escritor: Welington Moraes
    Welington Moraes
  • 22 de mai. de 2015
  • 2 min de leitura

Caminho ausente de interesse,

Nesse mundo que me cerca –

Anúncios em berros –,

De concreto o verde orgânico revestido,

De casacos o calor humano suprimido,

De vidraças o azul celeste amalgamado.

De vermelho – sangue implícito – à sinaleira,

A bandeira o pombo usa de latrina,

A canção some em submissão à buzina e

O amor é um grafite maltratado.

Aqui me vou de olhos secos pelo tempo,

Ali se vai mais uma tristeza solta ao vento,

Na multidão de solitários que não se veem;

Que se esquecem de questionar o dia igual,

Que mancham os dedos –antes limpos – no jornal,

Que traz a notícia do suicídio da atriz,

Que um dia – horário nobre – foi feliz,

Nas propagandas o rosto belo estampado,

O mesmo rosto pelo revolver apagado,

Nessa notícia que agora sangra no papel.

No céu o livre pássaro destoa ao resto todo,

Enquanto o cotidiano vai empurrando ao passo o povo,

Que existe na cinza artéria avenida.

Aqui me vou olhando o voo do grotesco pombo,

Feio animal de pés disformes e suja asa,

Mas que comove a miss que acena em tela rasa,

Num anuncio de desodorante que me violenta,

Como o pai na violência da notícia,

Do jornal que vende sangue embalado,

Mesmo jornal que agora o pombo suja em ciclo,

Pois quem for forte que nesse mundo fique limpo,

De todo o cinza e vermelho que te jogam,

De todo lixo que que em latas te oferecem,

Desse normal e sempre dócil existir.

Há algo errado nesse repetido dia amargo,

Uma voz suave que me acerta como um petardo,

Me transportando para noites cariocas:

“Sei que ao meu coração

Só lhe resta escolher...”

Canta o anjo escondido.

D’onde vem essa carícia ao meu ouvido?

Quem ousa rasgar o tédio da cidade?

Quem – insanamente – canta em horário comercial?

Será um novo comercial que finalmente abraça o mérito?

Será uma saudade do pretérito que agora me volta em melodia?

Onde está (Oh, meu Deus!) esse arcanjo?

Esse serafim,

Esse querubim?

Onde está? (Meu Deus te peço!)

Onde está?

Ali...

Não pode!

Uma mendiga suja feito um bicho – um pombo – ,

Machucados em cicatriz ao rosto,

Ao ombro;

Os ossos que apontam contra a pele,

A derme que salpica a face em sardas,

Feito a fuligem que salpica a calçada,

Que escapa do escape automóvel.

É uma mendiga!

(Meu Deus!) Com essa voz eu não aceito,

Ela tem sob as estrelas o próprio leito,

Ela tem esse viver imperfeito,

Que macula o meu perfeito caminhar,

Nessa avenida, onde carrego a minha vida,

Onde me vou ausente de interesse,

Onde olho para o céu,

Silencio em prece,

E peço para que possas escutar;

Mas sei que minha voz é feia e rouca,

Sei que minha fé é fraca e pouca e

Sei que talvez estejas igual,

Caminhando numa avenida celestial,

Sem tempo a um menor Tu escutar.

Vou embora,

Deixo que o mundo a ela esqueça,

Deixo, também, que a rotina me endureça,

Novamente nessa multidão de solitários.

Que seguem vendo em noticiários:

Atrizes,

Pombos,

Pais e a

Mendiga,

Que vive ali invisível na esquina

De um invisível sempre ausente existir.

Blurred skyscrapers

 
 
 

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